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domingo, 5 de junho de 2011

Escravos

Viva a liberdade, viva o fim das correntes e dos açoites, viva o fim da senzala e vivamos todos na casa grande! O suor e esforço dos mais fracos é agora recompensado, é pago em dinheiro e liberdade. Agora não existem mais documentos que separam possuídos de possuidores, não há mais diferença entre negros e brancos, pois somos todos filhos da liberdade. É findada a escravidão, o homem liberta o homem.
Agora somos todos livres para pensar, para agir, para amar, para fazer tudo àquilo que cabe ao homem. A tão sonhada liberdade enfim chegou e o homem em seu imensurável brilhantismo usou-a para mais uma vez escravizar-se. Tornamo-nos todos apenas um, todos iguais, todos escravos do homem pelas invenções do homem.
Somos todos regidos pelos ponteiros incansáveis e impiedosos do relógio que sempre nos diz qual é a hora certa para tudo, das coisas mais triviais àquelas fora da rotina nada pode ser feito sem a permissão do relógio. As punições para quem desobedecê-lo podem não ser tão fisicamente dolorosas quanto cinqüenta chibatadas, mas podem trazer um dolo que não há remédio nem cuidado que seja capaz de curar. O tempo é um patrão silencioso e que por vezes parece indiferente aos atos de seus subordinados, mas que em momento algum da vida, seja do primeiro choro ao deixar o ventre da mãe ao último suspiro num leito de hospital, jamais deixa que demos um único passo sem estar ao nosso lado marcando cada momento que se foi e esperando apenas um deslize nosso para nos punir. Ele nos dita o quão rápido temos que comer, limita nosso descanso e tira a espontaneidade de nosso agir, o tempo é um senhor de escravos invisível e atento como nenhum outro.
Se não bastasse a escravidão que nos é imposta, existem também aquelas que escolhemos viver. Somos escravos de um pequeno e fino retângulo de plástico que toma parte de todo nosso esforço para ele, um patrão pequeno e de feições amistosas que fazemos questão de manter sempre em nossas carteiras ou bolsas. Um patrão aparentemente inofensivo, mas que todo início de mês exige um pouco de nosso pensar somente para ele, que tira nosso sono e que nos lembra para quem trabalhamos.
Por outras vezes deixamos também que nos tornemos escravos de nossas próprias emoções, sendo dominados e totalmente controlados por elas. Escravizamos-nos à uma pessoa para qual direcionamos nosso amor e nos esquecemos de viver para nós mesmos, nos esquecemos de sermos os verdadeiros donos de nós para vivermos a mercê das emoções e do temperamento dessa pessoa. Limitamos nossa felicidade à dela, nossa alegria à dela, nosso bem estar ao dela, nossos sorrisos aos dela. Vendo isso tudo de uma forma mais ampla, limitamos nossas próprias vidas as dela, colocando um peso nas costas de tal pessoa maior que qualquer humano possa carregar, visto que nenhuma pessoa deve ser responsável pela felicidade de outra. Acabamos assim nos escravizando e também a pessoa que se ama.
Somos escravos da violência que nos prende atrás de grades em nossas próprias casas, somos escravos do nosso medo de arriscar, somos escravos daqueles que nos dizem em que acreditar, somos escravos de diversas forças invisíveis que passam sem serem notadas durante nossas vidas.
É dessa forma que funciona a escravidão moderna, astuta como jamais fora, sempre se escondendo por trás da máscara da falsa liberdade. No mundo em que vivemos hoje sempre haverá algo que nos dominará e não será uma figura clara como um senhor de barbas brancas e boas vestes sentado atrás de uma pesada mesa de madeira nos dizendo o que fazer, será uma força muitas vezes oculta que sempre manterá correntes e pesadas bolas de aço amarradas em nossos tornozelos.
No passado havia a clara distinção entre o dominado e o dominador, mas hoje somos todos iguais, todos acreditando na liberdade porém vivendo em escravidão.

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